Cidadania Italiana Cultura Italiana
Data: 08/05/2025

A história da mulher que ficou.

A MULHER QUE FICOU

Quando se conta a história das grandes travessias, quase sempre se fala dos homens que embarcaram, aqueles que cruzaram oceanos em busca de prosperidade, com a coragem nos bolsos e a saudade já latente no peito.

Agora, o que se fala daquelas mulheres que permaneceram no lar, enquanto o homem imigrava ou trabalhava longe? Existe uma outra história, feita de silêncio e força, que raramente ganha as páginas: a história da mulher que ficou.

A mulher que ficou na Itália, em pequenos vilarejos onde o tempo parecia andar mais devagar, muitas mães, esposas e filhas assistiram seus homens partirem rumo ao desconhecido. Ficaram com a terra, com os filhos, com os idosos. Ficaram com os ofícios do cotidiano e com o peso invisível da espera. Foram essas mulheres que, em meio ao vazio da ausência, mantiveram a vida acesa. A elas coube a tarefa de sustentar o lar, não apenas com trabalho, mas com ternura, fé e resiliência.

Com mãos que sabiam do barro, do fogo e da farinha, cuidaram da continuidade da vida. Reuniram cartas, esperanças e orações nas gavetas. Sussurraram histórias antigas aos filhos, para que não esquecessem de onde vinham. Ensinaram a língua do amor antes mesmo da língua materna. Não cruzaram o mar, mas atravessaram dentro de si desertos imensos de saudade.

A mulher que ficou na rotina silenciosa de matriarca, havia algo que ia além do visível. Era ela quem, antes do nascer do sol, acendia a chama da fé, com um terço entre os dedos ou uma prece sussurrada diante da imagem da Virgem, ela entregava os dias à proteção divina.

Não falava sobre teologia, mas praticava a devoção com o exemplo: cuidando dos seus como quem zela por um altar. Em tempos difíceis, era a primeira a confiar em algo maior. E quando faltavam forças à mesa, era sua fé que alimentava. Foi assim que tantas mães italianas e suas descendentes brasileiras tornaram-se o alicerce espiritual de suas famílias, guardiãs não apenas da casa, mas da esperança.


A mulher que ficou em casa e a transformou em uma extensão de sua alma, como a ransmissão de cultura e valores da mãe que passa a língua, as receitas, os rituais, e com isso, mantém viva a Itália dentro do Brasil.

Em muitas famílias, a Itália não chegou por navio, chegou pelo aroma do pão no forno, pela voz da mãe chamando os filhos para a mesa, pelo gesto ritual de benzer a massa antes de ir ao forno. A casa como um templo, e cada canto dela carrega uma assinatura invisível da matriarca. O fogão era altar. A toalha de renda sobre a mesa, herança viva. A língua italiana, mesmo que mesclada ao português, fluía entre afeto e repreensão, como quem ensina sem didática, mas com paixão.

A mulher que ficou apagada na ausência de reconhecimento público, mas é a presença de uma memória afetiva permanente. A linhagem feminina transmite como essas mulheres não apenas “suportaram” o passado, mas moldaram o futuro.

Seus nomes raramente apareceram nos livros de história, elas não foram erguidos monumentos nem dedicadas manchetes. Não foram apenas espectadoras do passado: foram autoras de futuros. Ao criarem filhos com firmeza e ternura, ao manterem vivas tradições mesmo diante da pobreza, ao abrirem mão de si mesmas para que os outros pudessem avançar, essas matriarcas deixaram um legado que o tempo não apaga. Elas não apenas “suportaram” os dias difíceis, elas os atravessaram de cabeça erguida, com mãos firmes e coração cheio.

A mulher que ficou, pode ser materializada eternamente com o reconhecimento da cidadania italiana como uma forma de homenagear também essas ancestrais. Ao pensar que nem todas as mães vieram. Muitas ficaram na Itália, assistindo seus filhos partirem com uma mistura de orgulho e temor.

Ficaram com o coração apertado, com a fé nas mãos e o tempo em suspenso. Enviaram cartas escritas com caligrafia trêmula e emoção contida. Guardaram as fotografias como relíquias. Rezaram em voz baixa diante do altar da família, pedindo proteção para quem agora vivia longe.


Uma homenagem a mulher que inspirou essa escrita, a história de Lúcia Listone Minozzo, mãe de Celania Minozzo Dall Agnol.

Na trajetória da San Pietro cidadania italiana, há uma origem que transcende a lógica empresarial. É uma origem feita de coragem, sacrifício e amor incondicional, e ela começa com a Lúcia, mãe de Celania.

“Mulher de fibra rara, Lucia foi o esteio de uma casa com oito filhos. Com mãos calejadas e um coração generoso, ela trabalhava na roça, cuidava da casa, preparava refeições com o que tinha, transformando escassez em acolhimento.

Mesmo cansada, nunca reclamava. Nunca deixou faltar comida, afeto ou direção. Suas palavras eram poucas, mas sua presença era inteira. Lúcia educava pelo exemplo, ensinando coragem e resiliência não com discursos, mas com gestos silenciosos. Era na cozinha, entre polenta,  massas e bolos, que ela traduzia amor. Era no cuidado com os filhos, na ordem da casa, na força que mantinha mesmo quando tudo desmoronava, que ela mostrava o verdadeiro sentido de ser mãe. " Celania Minozzo Dall'Agnol

Hoje, Lucia enfrenta a fragilidade da memória. Mas mesmo debilitada,  seus olhos carregam a luz de uma vida dedicada à família. Sua filha, Celania, a homenageia todos os dias ao repetir seus valores, presença, generosidade, paciência e uma fé que sustenta. Em cada atendimento da San Pietro, há um pouco do legado de Lúcia,  a mulher que, mesmo sem ter ido à Itália, carregava a Itália no coração e no cuidado. 

Na via materna da cidadania italiana, o legado de nossas raízes se entrelaça com a força da história, onde o sangue da mãe nos conecta eternamente à terra que nos deu origem, e o coração pulsa com a liberdade e a tradição de um país que é parte de nós. 

Hoje reconhecer a cidadania italiana pela via materna é um reencontro simbólico com essas mulheres que vieram antes. Uma forma de dizer eu me lembro de você, eu honro sua história, sua fé, seu sacrifício.

Voltar
Compartilhar: